Nicolás Massú: suor, lágrimas e ouro
- Escrito por Ariana Brunello
Nicolás Massú, único tenista a conquistar duas medalhas de ouro na mesma edição dos Jogos Olímpicos, em Atenas 2004 (Foto: Agência/Reuters)
Superação: passar por todas as dificuldades, ir além dos limites, transcender, triunfar. O filósofo grego Platão já dizia: "Vencer a si próprio é a maior de todas as vitórias". Mas, melhor do que qualquer frase ou definição é ver essa incrível capacidade virar realidade. Não apenas uma vez. Foi assim, pouco a pouco, superando todos os limites físicos e mentais, que Nicolás Massú entrou definitivamente para a história do esporte mundial. O palco: Grécia, berço da filosofia e do esporte.
Foi em 2004, em Atenas, que o chileno se tornou o único tenista a conquistar duas medalhas de ouro na mesma edição dos Jogos Olímpicos. A primeira, nas duplas, veio ao lado de Fernando González, após vitória sobre os irmãos Bryan nas quartas-de-final e depois de uma batalha de 3 horas e 43 minutos na final diante de Rainer Schuettler e Nicolas Kiefer. A segunda, em simples, veio para coroar o duelo final de 4 horas com Mardy Fish, e uma dura estreia contra Guga Kuerten. As partidas, que refletiram o verdadeiro espírito da Grécia Antiga, mudaram para sempre a vida “del Vampiro”, apelido pelo qual é conhecido no circuito.
Com o início da Olimpíada no Rio de Janeiro, os olhos do mundo se voltam para mais uma edição do maior espetáculo esportivo do planeta e o tênis relembra o feito histórico de uma das lendas do esporte chileno. O Tennis Report bateu um papo com Nicolás Massú, durante sua última visita ao Brasil. O campeão dos ATPs de Buenos Aires, Amersfoort, Palermo, Kitzbuhel e Brasil Open 2006, falou sobre a carreira, a paixão pela Copa Davis, a relação com Fernando González e Marcelo Ríos, os recentes casos de doping no esporte, os bons momentos vividos no Brasil, a conquista olímpica e muito mais. Confira!
Massú conquista o ouro em simples, após batalha de 4 horas contra Mardy Fish (Foto: Divulgação)
E o ouro nas duplas ao lado de Fernando González (Foto:Getty Images)
Tennis Report – Você é o único tenista na história a ganhar duas medalhas de ouro, em simples e duplas ao lado de Fernando González, na mesma olimpíada (Atenas 2004). O que esse feito representa para você?
Nicolás Massú – É um sentimento enorme porque todo atleta quer fazer algo importante na carreira. Meu sonho desde criança era jogar tênis. Sempre gostei muito de representar meu país e poder disputar os jogos olímpicos já é uma honra, pensar em uma medalha é algo muito distante e ser o único tenista na história a ganhar duas medalhas de ouro na mesma olimpíada é algo incrível. Muitas vezes inacreditável porque se chega ao extremo da resistência física ao jogar simples e duplas o tempo todo, durante muitas horas, além de aguentar a enorme pressão. É preciso ser muito forte em todos os sentidos. Tive sorte e também o discernimento de entender que, durante aquela semana, precisava sofrer muito para chegar aonde cheguei. A partida contra o Guga, na primeira rodada, foi fundamental para pegar confiança. Estava muito bem na época, entre os 20 melhores do mundo mas, desde o Australian Open até a Olimpíada, não havia ganhado nenhuma partida em quadras de cimento. Já no saibro vinha jogando bem e conquistei várias vitórias. Então, obviamente havia uma insegurança. Me lembro quando os jornalistas foram até o aeroporto me esperar e me perguntaram mil vezes porque eu não havia ganhado nenhuma partida em quadra dura naquela temporada que antecedeu a Olimpíada. Eu era o número 11 do mundo e meu sonho era entrar no top 10. O jogo contra o Guga mudou minha cabeça, foi longo, de muita força dos dois lados, tanto ele poderia ganhar quanto eu. Jogue muito bem, venci e isso me deu muita confiança para as partidas seguintes de simples e duplas. Foi muito difícil pois cada vez que entrava em quadra eu quase morria, minha energia e minha força diminuiam, mas segui firme. E até hoje, em qualquer lugar que eu vá, sou reconhecido por isso. Demorou para “cair a ficha”, a cada dia fui entendendo melhor e percebendo como foi difícil. Sem dúvida, foram as duas melhores semanas da minha vida.
TR – Para muitos tenistas, vestir a camisa do país na Copa Davis é algo muito especial. Você fez parte da equipe chilena como jogador por 14 anos e é o capitão do time desde 2014. Qual o significado da competição para você?
Nicolás Massú – A Copa Davis sempre foi prioridade em minha carreira. Eu disputava qualquer torneio em qualquer lugar lugar do mundo: terceira divisão ou Grupo Mundial, na India ou na América do Sul, não importava. Onde e como fosse, eu estava lá. Cresci acompanhando a Davis e fui o tenista mais jovem a representar o Chile, em 1996 diante do Canadá, aos 16 anos. E joguei até o máximo que pude. Há quem jogue melhor em Copa Davis e há quem jogue pior. Há os que não têm ranking e jogam muito bem, outros têm uma boa colocação e não jogam bem por conta da pressão. Para mim sempre foi uma adrenalina boa, diferente, e sempre dei o melhor de mim para representar meu país. Uma das coisas mais difíceis de minha aposentadoria em 2013, aos 33 anos, foi saber que nunca mais jogaria uma partida de Copa Davis. Após uma semana do anúncio da minha retirada das quadras, recebi o convite da Federação e, há dois anos, tenho o prazer de ainda fazer parte disso, como capitão da equipe chilena. Temos alcançado ótimos resultados, ganhamos as últimas 6 séries seguidas e agora vamos disputar a repescagem para o Grupo Mundial contra o Canadá, entre os dias 16 e 18 de setembro, algo impensável quando começamos.
Massú, capitão da equipe chilena formada por Juan Carlos Sáez, Gonzalo Lama, Hans Podlipnike e Nicolás Jarry (Foto: Divulgação/Copa Davis)
TR – Você não pode viver longe da Davis, então...
Nicolás Massú – Não. Há duas formas de permanecer no tênis após a aposentadoria. Retirar-se e esquecer-se de tudo, como muitos tenistas que nunca mais querem saber do esporte e se dedicam a outros tipos de negócios e às vezes voltam após anos, o que é muito respeitável. Ou continuar envolvido, afinal muitos não podem viver longe do tênis porque foi o que fizeram durante toda a vida. Essa foi a decisão que tomei pois é o que mais gosto e mais sei fazer na vida, ao longo dos últimos 30 anos. Passar essa experiência aos mais jovens é o que me motiva. Não sei por quanto tempo mais serei capitão da equipe, mas seguiria por muitos anos mais se fosse possível. Também gostaria de voltar ao circuito no futuro, estar em Wimbledon, Roland Garros, US Open, Australian Open e em outros torneios, mas como treinador. Para isso, tenho que estar preparado para estar longe da família e viajar por 35 semanas durante o ano novamente. Mas, por enquanto, minha prioridade continua sendo a Copa Davis.
TR – Como teve o primeiro contato com o esporte?
Nicolás Massú – Meu avô materno (Ladislao Fried Klein) esteve na segunda guerra mundial, nos campos de concentração, então deixou o holocausto e se mudou para o Chile e começou a jogar tênis aos 40 anos de idade. Foi em Viña del Mar que ele apresentou o esporte a mim e a meu irmão mais velho, que não seguiu nas quadras. Eu comecei a disputar torneios regionais, depois na América do Sul, Estados Unidos, Europa e todas as giras necessárias para um juvenil se tornar profissional. O último ano como juvenil foi importante pois é muito caro e no Chile, assim como no Brasil, não temos muito apoio, a não ser o da família. E meu avô, felizmente, podia me ajudar. Marcelo Rios era um dos melhores do mundo na época, aos 20 anos, e eu vinha logo atrás, aos 16, como número 1 do mundo em duplas e 2 em simples no juvenil, com vitória no Orange Bowl. Foi quando consegui meu primeiro patrocínio, virei profissional e tive a sorte de ser agenciado pela IMG. A transição do juvenil para os Futures, Challengers e daí para os torneios ATP e o top 100 foi muito rápida, em um ano e meio. Eu tinha apenas 19 anos e já estava entre os 90 do mundo. Acho que a maturidade que adquiri, os sacrifícios que fiz e a vontade de viver do esporte eram tão grandes que foram fundamentais para meu crescimento em tão pouco tempo. Minha família e meu primeiro treinador Nano Zuleta, que me acompanhou dos 11 aos 21 anos, também fazem parte da minha história no tênis. Então segui para treinar na Argentina, que tinha um peso e uma tradição muito fortes no esporte, onde trabalhei com Gabriel Markus, Patricio Rodríguez, entre outros, até me aposentar.
TR – O auge de sua carreira aconteceu quase na mesma época em que outros nomes de peso do tênis chileno, como Fernando González, estavam em destaque. Inclusive você também teve Marcelo Rios, ex-número 1 do mundo, por pouco tempo, mas como forte adversário nos últimos anos antes dele se aposentar. Essa concorrência te prejudicou em algum momento? Sente que poderia ter ido mais longe sem eles no caminho e eles também sem você?
Nicolás Massú – Boa pergunta. Fernando tem um ano a menos que eu e Marcelo tem quatro. Infelizmente, Marcelo se aposentou muito jovem e por isso nos cruzamos pouca vezes pelo caminho. Ele jogou demais até os 25 anos, quando se lesionou. Então, quando atingi o auge, “el Chino” já não estava mais no circuito. Eu tinha 18 anos quando ele foi número 1. Estarmos Marcelo, Fernando e eu na mesma equipe da Copa Davis, de 1998 a 2002, foi algo incrível. Jogamos simples e duplas por muitas vezes. Para mim, ao contrário de que possa ter sido um obstáculo, foi algo que nos ajudou pois sempre tivemos uma competição saudável. Quando Fernando queria ganhar um torneio, eu sentia que também poderia ganhar. Se ele via que eu subia rapidamente no ranking, ele sentia que também poderia subir. Por isso, a figura de Marcelo Rios foi muito importante em minha carreira. Eu treinava com ele, tínhamos o mesmo preparador físico, e ver que um chileno, amigo meu, se tornou o melhor do mundo, eu também poderia ser. Ter Fernando e Marcelo como adversários no mesmo momento, me ajudou bastante. E acredito que a eles também. Certa vez perguntaram isso ao Fernando e ele respondeu da mesma maneira. Sem nossa parceria na Davis e nos Jogos Olímpicos, jamais chegaríamos aonde chegamos e jamais teríamos feito o que fizemos por nosso país.
Massú, González e Ríos celebram um dos triunfos na Copa do Mundo em Dusseldorf (Foto: El Mercurio)
TR – Quais são as grandes apostas e os novos talentos que podem dar bons frutos ao tênis chileno nos próximos anos?
Nicolás Massú – Hoje temos 6 jovens jogadores que jogam muito bem, estão fazando um grande trabalho e lutando por esse esporte que é tão difícil. É preciso levar em conta resultados, idade e o que podem fazer. Há 3 anos, Cristian Garín foi o campeão do torneio juvenil de Roland Garros, vencendo Borna Coric na semifinal e Alexandr Zverev na final. Acho que ele tem chances de alcançar um lugar onde plenamente possa estar. O Nicolás Jarry, que tem 20 anos e muito potencial, esteve no Rio Open e quase ganhou um set do David Ferrer. Temos Gonzalo Lama, que foi vencedor do último São Paulo Challenger de Tênis, no Clube Paineiras, tem 23 anos e está dentro do top 170. Hans Podlipnik, que está entre os 70 melhores do mundo nas duplas. Outro bom duplista é o Julio Peralta. Juan Carlos Saez também está lutando no top 300. Bastian Malla, aos 19 anos, entre os 400. São os sete jogadores que sempre estão na Copa Davis e espero que sigam avançando cada vez mais e que, pelo menos um ou dois entrem no top 100, pois um acaba influenciando e sendo exemplo para os demais.
TR – O que esperar dos Jogos Olímpicos Rio 2016?
Nicolás Massú – Se for da mesma maneira que a Copa do Mundo, será um evento muito bonito, mesmo com o Brasil passando por um momento tão difícil. Espero que deixem um bom legado e uma boa imagem do país à América do Sul, pois trazer uma Olimpíada para cá não é nada fácil. É preciso investir muito dinheiro em infra-estrutura e, se tiver organização, é possível fazer algo bom. O Rio é uma das cidades mais lindas do mundo e quem puder vir prestigiar e jogar, que venha.
TR – O que é preciso fazer para controlar e evitar ainda mais os recentes casos de doping que prejudicaram tantos atletas, inclusive os do tênis, deixando-os fora desta edição da Olimpíada?
Nicolás Massú – É difícil dar uma opinião estando fora do circuito, mas a ATP e a ITF estão tentando resolver a questão e lutando cada vez mais para que o esporte seja “limpo”. O tênis sempre foi caracterizado e conhecido por essa razão, por isso se chama “esporte branco”. Houve alguns rumores e alguns casos de doping na modalidade recentemente, mas acho que faz parte de qualquer esporte. Quem quer disputar uma olimpíada sabe perfeitamente que é fundamental estar cem por cento saudável e deve ter a consciência e o compromisso de realizar os exames anti-doping sempre que necessário, como aconteceu comigo. Em 2004 começaram com exame de sangue entre os tenistas, antes só era realizado o de urina. Comigo foi a primeira vez que fizeram. Quando joguei a final de duplas com Fernando González, entre os quatro jogadores, um deveria fazer o anti-doping, e o único que precisava jogar no dia seguinte (a final de simples) era eu. E escolheram a mim. Fizeram o de urina, às 2h da manhã, depois da partida, sabendo que eu precisaria estar em quadra no outro dia às 11h. Qaundo terminei o de urina, fiz o de sangue. Havia jogado a semana toda, estava cansado, precisava dormir. Após a final de simples, repetiram os exames. No total, foram quatro. Não tem segredo. É preciso estar limpo e ser correto. Em toda minha carreira no tênis, sempre foi assim que vi os jogadores.
TR – O Brasil é um país que te proporcionou momentos inesquecíveis na carreira, entre eles o título do Brasil Open em 2006, e de onde guarda belas recordações. Como é esta relação com o país?
Nicolás Massú – O Brasil sempre me trouxe sorte. Quando juvenil, ganhei vários torneios aqui, inclusive os sulamericanos e o Masters na Copa Petrobrás em Aracaju. O Brasil Open era um torneio que nunca obtive bons resultados e não queria mais voltar a jogar pois as únicas duas vezes que quase morri fisicamente foram na Costa do Sauipe. Passei muito mal, não conseguia jogar porque o calor era muito forte e ainda não era no saibro, era no cimento. Em 2006, meu treinador não queria que eu disputasse o torneio pois temia que acontecesse o pior novamente. Preferia que me cuidasse para jogar o ATP de Acapulco, na semana seguinte. Eu insisti que queria voltar. Na primeira partida, que durou 3h e meia contra Fernando Vicente, quase morri, claro. Depois disso comecei a jogar muito bem, provavelmente meu melhor torneio na temporada, e fui campeão (6/3 6/4 sobre o espanhol Alberto Martín). São coisas do tênis, que não entendemos porque acontecem. Fiquei muito feliz de voltar para cá, fazia dois anos que não vinha, e também de jogar novamente com meu amigo Flávio Saretta em um evento incrível, neste lugar espetacular que é o Rio Quente Resorts.
Massú, campeão do Brasil Open 2006 (Foto: Divulgação)
Massú na partida exibição com Flávio Saretta, durante sua última visita ao Brasil (Foto João Pires/Fotojump)
Agradecimento especial: Grupo Try e Rio Quente Resorts