Andrés Bella: das quadras para as galerias de arte
- Escrito por Ariana Brunello
"Heart at Work" feita com pedaços de raquetes e tinta spray em moldura de madeira: 1,94m x 1,55m de puro amor pelo esporte e pela arte
Ele descobriu o tênis nas quadras públicas do bairro de Queens, Nova York. Lá, começou a desenvolver a competitividade no esporte e também a criatividade para a arte, influenciado por metrôs e edifícios cobertos por grafite. O talento natural para o esporte fez com que se tornasse o capitão da equipe de tênis da primeira divisão da Universidade Quinnipiac. Disputou uma partida com James Blake - ex-número 4 do ranking da ATP - ainda na escola e até instalou persianas no apartamento de John McEnroe, um dos maiores jogadores da história.
Mas, o grande legado de Andrés Bella não está dentro da quadra ou ao lado de grandes nomes do esporte. A técnica, a tática, a criatividade e o talento deste apaixonado por tênis, exprimem-se através da arte. Bolinhas, raquetes, cordas, overgrips e grommets saem das quadras diretamente para suas obras, feitas exclusivamente com estes materiais usados para a prática da modalidade. O objetivo é olhar o passado para compreender o presente e influenciar o futuro, desconstruindo os aspectos da competição humana para expor os elementos de nossa existência.
Andrés Bella já expôs suas obras em locais como Dorian Grey Gallery, Sunday’s Auction House, Artworks ADL, Town Tennis Club, Vanderbilt Tennis Club, Midtown Tennis Club, em Nova York, no Milford Indoor Tennis Club, em Milford, Connecticut, na The Froelich Gallery, em Nashville, Tennesse, e no Citi Open (ATP 500 de Washington D.C.). Mas não é preciso ir até os Estados Unidos para conhecer este belo trabalho. O Tennis Report mostra, com exclusividade pra você, os incríveis retratos que reproduzem grandes nomes do esporte, as belíssimas telas em tinta, as obras de arte, o ateliê e a história de sucesso deste artista tão apaixonado por tênis quanto a gente. Confira!
Porque, no tênis, todo game começa com "LOVE": obra composta de raquetes cortadas e tinta acrílica sobre a tela
Tennis Report - Como surgiu sua paixão pelo tênis? E pela arte?
Andrés Bella - A paixão pelo esporte começou cedo, aos 4 anos de idade, quando minha mãe me levava para jogar nos parques públicos no bairro de Queens, em Nova York. Foi algo que surgiu e permaneceu naturalmente em minha vida. Sem perceber, já estava jogando competitivamente na faculdade. O que me atrai até hoje no esporte são a criatividade e os limites com os quais você tem que trabalhar, como por exemplo os ângulos e as rotações. Comecei a desenhar ainda na infância também. Cresci no Queens, na década de 80, rodeado por grafites nos muros e seu impacto visual. O que não faltava em minha casa também era música. Meu pai veio da Venezuela e eu adorava dormir ao som das harpas da música llanera que ele tocava com seus amigos, o que ajudou a despertar ainda mais minha paixão pelas artes.
"Advantage Federer", "He's No Djok!" e "Celebrating Rafa": telas feitas com tinta e materiais de tênis como cordas, bolas, overgrips, grommets e até toalha do US Open
TR - Como você percebeu que era possível transformar materiais e objetos usados no esporte em peças de arte?
Andrés Bella - Eu guardei muitas raquetes de tênis que usei durante os anos em que joguei. Algumas quebradas, outras antigas. Não precisava mais delas, mas também não queria jogá-las fora pois sabia que eu ainda poderia usá-las novamente um dia. Observando os logotipos das marcas pintados nas cordas das raquetes dos profissionais, tive a idéia de reproduzir os retratos de alguns dos maiores jogadores da história. Mas, ao invés de simplesmente usar a tinta para fazer um rosto, eu preferi inovar e utilizar um método diferente que captura os detalhes e proporciona mais profundidade, usando as próprias cordas. Esse foi o ponto de partida.
Belíssima obra, com uma mensagem mais atual do que nunca, "HOPE" é composta de raquetes cortadas, tintas spray e acrílica sobre tela usada
TR - Quando você começou a produzir as peças e qual foi sua primeira obra-prima?
Andrés Bella - Produzi minhas primeiras peças de arte "oficiais" de tênis em 2010. As duas primeiras que fiz foram de Rafa Nadal e Roger Federer: um retrato de cada um deles em telas de aproximadamente 51cm x 51cm, usando uma variedade de materiais de tênis, como cordas, overgrips, grommets (parte plástica que envolve a raquete e por onde passam as cordas no momento do encordoamento) e bolinhas. Incorporei uma toalha do US Open no retrato do Federer. A terceira peça que criei foi meu primeiro retrato de tênis nas cordas de um raquete, intitulado "Who Framed Roger Federer?". Ao vê-la pronta, eu não fazia idéia de como havia conseguido. Foi um processo de tentativa e erro, que eu amei. Para mim, parte da emoção de fazer uma arte está na solução criativa de problemas ao se trabalhar com materiais incomuns. Eu diria que "Who Framed Roger Federer?" é a minha primeira "obra-prima", mas em um sentido diferente da palavra porque é um modelo mestre, a origem dos futuros retratos e uma vitória pessoal. Prefiro deixar para o público decidir qual é minha "obra-prima".
Retrato de Federer em cordas na Wilson BLX Pro Staff Six One 90 e tinta a óleo na quadra de grama e retrato de Nadal em cordas e raquete fornecidas pela Babolat, sobre fundo de cordas e tinta na madeira representando a quadra de saibro
TR - Quais são as suas principais inspirações?
Andrés Bella - O que realmente impulsiona minha criação vai muito além do tênis. Minhas principais inspirações são a vida cotidiana, as minhas próprias lutas, ser uma testemunha da sociedade como todos são e o simples ato do amor. Criei "After the Ivory" ("Depois do Marfim") em repúdio às mortes, sem sentido, de elefantes. São belos seres vivos que, ao invés de serem amados e contemplados, são vistos como mercadoria e, consequentemente, destruídos. Tentei transmitir tanto a beleza quanto sua destruição nesta peça. A peça intitulada "Racquets Red Glare" é sobre a igualdade. Raquetes vêm em diferentes formas, tamanhos e cores, assim como os seres humanos. Mas pintei todas de branco para que as pessoas possam perceber a igualdade embutida em cada um de nós, apesar das diferenças. Espero que o público veja minha arte e enxergue além do tênis.
"After the Ivory" é composta por cordas e tinta acrílica sobre madeira esculpida na silhueta de um elefante
"Racquets Red Glare" é composta de raquetes de tênis, cordas e overgrips pintados com tinta acrílica e spray, em moldura de madeira feita à mão
TR - Além dos grandes ídolos do esporte, você passou a reproduzir imagens de celebridades nas peças de tênis. São seus artistas favoritos?
Andrés Bella - Além dos jogadores, recentemente comecei a criar retratos de celebridades, mas não para “celebrá-los”. O retrato de Andy Warhol foi inspirado por sua citação "No futuro, todos serão mundialmente famosos por 15 minutos". Acho que o futuro é agora, especialmente com o advento dos meios de comunicação social. De certa forma, é anti-celebridade e coloca todos em um campo mais equitativo. Eu gosto do trabalho de Warhol, mas se eu tivesse que escolher um artista que realmente me motiva, seria Jean-Michel Basquiat. A obra de Basquiat fala por si, ele trilhou seu caminho, mas sua maneira de ser e de criar, do fundo de seu âmago, é o que realmente me intriga. Os outros retratos de celebridades são a base de grande parte do meu trabalho. John Lennon era um defensor do amor e da paz e, de maneira muito parecida com os elefantes, foi cruelmente assassinado. O mesmo vale para o retrato de JFK, que eu estou no processo de conclusão. Penso em criar muitos outros retratos de figuras mundiais que lutavam por amor e paz, cujas vidas foram interrompidas. Quero montar uma exposição quando tiver concluído todos eles.
Retratos de Andy Warhol e John Lennon em camadas acima das cordas das raquetes pintadas de branco
TR - Qual é o trabalho mais importante da sua carreira?
Andrés Bella - A peça intitulada "So Many Faults" ("Tantos Defeitos"), feita com bolas de tênis e tinta acrílica é a mais importante de todas que fiz até agora. Foi criada no verão de 2013, em Tompkins Square Park no Lower East Side de Manhattan, ao lado de muitos outros artistas. Ao criá-la senti que, pela primeira vez, eu realmente me abri e, assim, expus minha arte à percepção pública. Não estou acostumado com pessoas ao redor, me observando, enquanto faço minha arte. É muito desconfortável para mim, mas não tive medo da opinião do público que estava ali. Criar uma peça que diz que ninguém é perfeito, que todos temos os nossos defeitos, foi o que me ajudou. Assim que terminei o trabalho fui para casa e, enquanto caminhava, um simpático senhor estava esperando por mim para comprá-lo. Era David Hammons, um artista bem conhecido. Entreguei a obra para ele no dia seguinte e me orgulho em dizer que "Tantos defeitos" hoje faz parte da coleção de arte de David Hammons. Coisas boas podem acontecer quando você supera seus medos. Isso é o que torna este trabalho o mais importante da minha carreira até agora.
"So Many Faults" foi criada durante o Festival Howl at the Art e é composta por bolas de tênis cortadas e coladas à lona de vinil, que recebeu tinta acrílica, fita adesiva e, hoje, faz parte da coleção de David Hammons
TR - Você já fez ou tem planos de produzir algum trabalho dedicado ao Guga Kuerten? Quem sabe um próximo projeto em sua homenagem e para os fãs de tênis no Brasil...
Andrés Bella - Eu ainda não fiz um retrato do Guga. Sou super fã dele e lembro de vê-lo brilhar em Roland Garros. Ele também parece ser um cara tão legal fora das quadras, definitivamente um grande embaixador do esporte. Boa ideia! Se alguém estiver disposto a patrocinar um retrato dedicado a Guga Kuerten, para os fãs de tênis do Brasil, eu ficaria extretamente honrado em fazê-lo.
Andrés Bella com algumas de suas obras inspiradas no tênis
TR - Quais são suas preferências sobre tênis? Ídolo, torneio, superfície, momentos inesquecíveis na história do esporte e na sua vida...
Andrés Bella - Na infância, meu ídolo foi Boris Becker. Vê-lo ganhar em Wimbledon em uma idade tão jovem, era inspirador. Ele trouxe um estilo próprio para o esporte com seus grandes saques e voleios acrobáticos. Também nunca vou me esquecer dos atrasos em razão da chuva naquele ano. Foi a primeira vez que o tênis e a arte estiveram juntos para mim. Na época, durante a transmissão pela TV, tocaram "Everybody wants to rule the world" do Tears for Fears, durante um dos intervalos. Ouvir a música enquanto assistia a cenas de chuva em Wimbledon foi algo marcante para mim. Sempre que escuto, ela me leva de volta à 1985. Adoro assistir a todos os torneios, mas se tiver que escolher um, certamente é o US Open em Flushing Meadows, Queens, NY, cidade onde nasci. É também o único Slam que assisti pessoalmente. Mas espero ir à Roland Garros este ano. Minha superfície favorita para jogar é a quadra dura. Para assistir, gosto de saibro e grama, por serem tão únicos em suas próprias características. Momento inesquecível, para mim, foi a final Sampras x Agassi no US Open 2002. Outro momento inesquecível, ou melhor, "esquecível" na minha carreira foi quando perdi para James Blake na escola. Não foi uma partida equilibrada, ele já estava acima de todos nós naquela época, mas foi muito gratificante ver seu sucesso no circuito profissional ao alcançar o quarto lugar no ranking mundial. Outro fato interessante foi quando conheci John McEnroe em seu apartamento, em Manhattan, em 1994. Meu tio tinha uma empresa de persianas e John McEnroe era um de seus clientes. Conheci um dos maiores jogadores de todos os tempos e ainda ajudei a instalar persianas em sua casa durante algumas horas. Inacreditável. E inesquecível...
Estúdio de Andrés Bella em São Francisco, Califórnia
Status ao final deste post: completamente a-pai-xo-na-da pelas obras do Andrés Bella. E você?
Fotos e vídeo: Divulgação
Mais informações: www.AndresBellaArt.com