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A nova fase de Pablo Cuevas

 Cuevas 1-2Pablo Cuevas, campeão do Brasil Open 2015 (Foto: Divulgação)

Por Ariana Brunello e Matheus Martins Fontes

Desde pequeno, o uruguaio Pablo Cuevas sempre conviveu com a dúvida. Para começar, nasceu em Concordia, na Argentina, terra natal do pai, mas vivia cruzando a fronteira e terminou o ensino fundamental em Salto, na mesma pátria da mãe. Após optar pela Celeste no coração, o jovem não sabia que esportes priorizar na infância. O paddle, a natação, o futebol, mas o tênis venceu a concorrência e logo o levou aos torneios juvenis e, consequentemente, ao profissional.

As incertezas continuaram. Por mais que priorizasse as simples, Cuevas certamente se surpreendeu com o primeiro título vir no circuito de duplas, e mais ainda por se tratar de Roland Garros, em 2008. O troféu lhe trouxe confiança e o uruguaio parecia não duvidar mais de suas próprias escolhas, porém lesões seríssimas nos dois joelhos o tiraram de ação por quase dois anos. Recuperado, o uruguaio voltou ainda melhor do que antes, conquistou seus dois primeiros ATPs em simples - Bastad (Suécia) e Umag (Croácia), ambos em 2014 -, furou o top 30 e, com o título no ATP de São Paulo, o terceiro na carreira, tornou-se o melhor representante do país, após Diego Perez.

Cuevas hoje vive a melhor fase no circuito e, por que não, na vida pessoal. Em outubro de 2014 chegou a primeira filha, Alfonsina, que logo entrou na lista de prioridades do papai coruja. Se depender dos exemplos recentes, com Novak Djokovic voando após dar as boas-vindas a Stefan, e Roger Federer ainda em grande forma ao mesmo tempo que cuida dos quatro filhos, Pablo ainda tem muito a render e a filha, muito o que ver. O Tennis Report bateu um papo com o campeão do Brasil Open 2015 e descobriu o que mudou na vida de Cuevas em meio a tantas escolhas e surpresas. Confira!

TENNIS REPORT - Como surgiu o interesse no tênis? Seu irmão, Martin, também joga o circuito. Foi uma influência da família?
PABLO CUEVAS (PC) - O clube onde frequentava, desde pequeno, tinha excelente estrutura para fazer muitos esportes. Tinha rio para quem se interessava por remo ou caiaque, campo de futebol, quadra de basquete, piscina para natação, quadras de tênis e de paddle. Quando eu tinha seis, sete anos, todo mundo jogava paddle, mas os pequenos não podiam jogar, porque as quadras estavam sempre lotadas. Com 11 anos, cruzava o rio Uruguai de caiaque para treinar, ia e voltava por dois anos. Então, com 14 anos, comecei a olhar mais para o futuro e segui no tênis, porque me via fazendo aquilo por muito mais tempo.

cuevas martinOs "hermanos" Martin e Pablo (Foto: Arquivo Pessoal)

Você nasceu na Argentina, mas defende a bandeira do Uruguai no tênis. Conte um pouco sobre essa escolha.
PC - Morei na Argentina, em Concordia, que é uma cidade “colada” em Salto, na fronteira com o Uruguai, até meus 6, 7 anos. Até os 10, ia e voltava quase todos os dias de Concordia e Salto, não sabia bem onde morava. Minha mãe é uruguaia e meu pai é argentino. Tinham meus avós de um lado da fronteira e também do outro. E a partir dos 10, passei a morar definitivamente no Uruguai. O colégio comecei na Argentina, mas terminei no Uruguai.

E seu pai não ficou bravo por você ter escolhido o Uruguai?
PC - Não.. (risos) Acho que quando a gente mora numa cidade com fronteira, acostuma-se a passar o tempo com pessoas de outro país a todo momento.

Você tem dupla cidadania?
PC - Sim, ambas. Desde pequeno, antes de jogar tênis, já tinha dupla cidadania.

Você começou a defender o Uruguai muito cedo na Copa Davis e os brasileiros conheceram mesmo o Pablo Cuevas em 2005 quando venceu Flávio Saretta e Guga na final do Zonal Americano II em Montevidéu. Aquelas vitórias te marcaram muito?
PC - Não lembro bem que ano que comecei a jogar a Copa Davis, mas no primeiro ano fui jogar contra o Haiti (2004). Por mais que o Haiti não tenha uma história tenística, foi muito importante para mim, pois eles tinham um jogador 170 do mundo, e eu estava por volta de 500 do ranking na época. Foi o primeiro confronto que joguei, e atuei em simples e duplas, então se tornou muito especial vencer aquela série (Uruguai venceu por 3 a 2 fora de casa). Contra o Brasil, não lembro muito bem do meu ranking, mas era algo em torno de 300 e o [Flávio] Saretta era 60, 70 do mundo. Foi minha primeira vitória contra um jogador top 100 em uma Copa Davis. Na semana anterior, tinha acabado de ganhar um Future, era muito jovem, não muito consciente das coisas, então acho que foi importante aquele triunfo, embora não tenha me marcado totalmente. Mas me recordo para sempre da vitória contra Saretta, contra Guga no último dia, em que ele se retirou após eu vencer o primeiro set.

Representar o Uruguai muito cedo na Davis e ser a principal referência no esporte em seu país te trouxe uma pressão a mais?
PC - Sim, de certa forma é uma pressão. Mas o Uruguai não tem uma grande historia no tênis e não temos uma equipe tão parelha em comparação aos times que enfrentamos. Dessa forma, tenho que estar sempre 100% fisicamente e ganhar as duas partidas de simples e a de duplas. Se vem mais um ponto do meu irmão [Martin Cuevas] ou de outro que jogue, perfeito! Mas normalmente tenho que estar jogando os três dias, sem descansar, e com a pressão de ganhar sempre. Então pressão sempre existe, mas tento desfrutá-la. Não é algo que não me deixa jogar, eu a trato com tranquilidade, alegria e desfruto a semana toda por defender meu país, poder jogar com meu irmão na equipe.

Mas jogar os três pontos na Copa Davis não prejudica seu calendário individual? É complicado para você conciliar a Davis com os outros torneios?
PC - Como acabo jogando os três dias, na semana seguinte estou morto. Se fosse  jogar agora a Copa Davis, os três dias, numa quadra de saibro, na semana seguinte teria [Masters 1000] Indian Wells na quadra rápida. Para tomar essa decisão [jogar a Copa Davis], acabo deixando outras coisas de lado, nesse caso meu calendário pessoal. Por isso tomei a decisão de não jogar [esse ano]. Mas quando tiver uma chance de jogar, jogarei porque é uma competição muito especial.

Desde o começo da sua carreira, você sempre se destacou em simples e duplas. Qual o segredo para conciliar as duas modalidades num circuito competitivo?
PC - A prioridade número 1 sempre foi simples. Mas as duplas, incrivelmente, no segundo ano que joguei Roland Garros, fui campeão. E a partir daí, comecei a sentir mais confiança nas duplas e saber que poderia me sair bem na modalidade. Daí passei a jogar simples e duplas, mas sempre a prioridade foi simples. E, tirando essas lesões que me afastaram do circuito por dois anos, nunca tive problemas físicos para jogar simples e duplas. Jogar duplas também é bom, pois te permite trabalhar algumas coisas como a devolução, acostumar-se com a pressão de enfrentar um jogador mais agressivo e também ajuda na recuperação econômica dos gastos ao longo da temporada.

cuevas rgHornas e Cuevas em Roland Garros 2008 (Foto: Divulgação)

Você citou o título em Roland Garros nas duplas, em 2008. A parceria com o peruano Luis Horna foi por acaso?
PC - Foi a segunda vez que jogávamos juntos [na verdade, foi a terceira segundo dados da ATP]. A primeira vez foi num Challenger no Uruguai (2007), e fomos campeões sem jogar a final. Havíamos combinado de atuar juntos no começo de 2008, mas ele disputava torneios diferentes do que eu e a coisa não coincidia até Roland Garros. Na primeira rodada jogamos contra os franceses [Arnaud] Clement e [Michael] Llodra. Lembro que Lucho [apelido de Luis Horna] me disse: “Que chave dura!” Daí ganhamos o primeiro jogo difícil, e fomos seguindo. Nas quartas de final ganhamos dos irmãos Bryan, e na final jogamos uma partida incrível, ganhamos facilmente por 6/2 e 6/3 de [Nenad] Zimonjic e [Daniel] Nestor. Recordo também que o treinador de Lucho perguntou: “Tem certeza que quer jogar duplas com Pablo em Roland Garros?” Confesso que foi mesmo inesperado. Naquele momento, meu ranking de duplas era mais ou menos 70. Foi meu primeiro titulo de ATP, antes só tinha vencido Challengers. Como tinha 23 anos, não era um duplista para jogar um torneio desse tamanho, ou ter qualquer pretensão de ser campeão. Tanto que quando Lucho perdeu em simples, seu treinador voltou para a Argentina. Mas quando estávamos na final de duplas, ele voltou a Paris.

Além de vencer Roland Garros, você e Horna jogaram a Masters Cup em 2008. Qual a importância daquele bom ano nas duplas para sua confiança?
PC - Sempre quando você ganha em duplas, isso te dá confiança também para as simples e tem toda a experiência de jogar em quadras principais, jogar o Masters de fim de ano [atual ATP Finals], poder ter contato com os melhores jogadores como aconteceu em 2008, quando encontrei com Federer, Djokovic. Então você, pouco a pouco, vai se sentindo normal nessa situação. Lembro que a primeira vez que fui jogar Roland Garros, estava treinando, mas ficava prestando atenção em [Marat] Safin, Guga, qualquer um desses grandes jogadores e esquecia o que estava fazendo. Então estar aí mais uma vez nesses grandes palcos faz você se sentir cada vez mais inserido nisso e torna a situação mais natural.

Você ficou dois anos sem jogar devido a lesões nos dois joelhos. O quão foi complicado ficar fora das quadras? Chegou a pensar em para de vez com o tênis?
PC - Quando machuquei, estava em bom momento, 40 e pouco do ranking, jogando bem e sentia que podia render mais. Se fosse achar um lado bom da lesão foi isso, porque sentia que estava jogando muito bem e tinha muito mais para render. Nesses dois anos, que passou pela minha cabeça que poderia não jogar mais, duas operações, não tinha certeza se voltaria bem, sempre que treinava tinha a consciência de que tinha mais para dar. E felizmente quando comecei a jogar, estava gostando de como estava bem mentalmente e tenisticamente. Isso ajudou muito nos dois primeiros torneios da minha volta, em Santos e São Paulo. Lembro que estava jogando bem, ganhei bem a primeira partida em Santos, mas no segundo nem podia me mexer com o cansaço. Na semana seguinte, foi parecido, ganhei duas partidas e, na terceira, estava morto. E, logo depois, joguei Roland Garros, onde ganhei a primeira rodada após 4h30. Jogava bem a primeira rodada, mas depois o físico não estava bem e não aguentava, o que era normal para quem ficou dois anos parado. Mas, pouco a pouco, fui jogando mais partidas, melhorando fisicamente e esquecendo as lesões que tive. Daí venci dois torneios ATP, meus primeiros em simples, e sinto que estou rendendo o que sempre acreditei.

Como disse, você venceu os ATPs de Bastad e Umag no ano passado. Só dois uruguaios conquistaram torneios grandes: Diego Perez e Marcelo Filippini. Para você, o que foi mais importante: os dois ATPs ou Roland Garros nas duplas?
PC - É difícil responder isso. Ambos os títulos nunca vou me esquecer. Sempre trabalhei para ganhar em simples, e as duplas foram um presente, uma espécie de bônus, mas ganhar um Grand Slam é sempre importante. Não dá para classificar, ambos são importantes na minha carreira.

cuevas umagCampeão no ATP 250 de Umag, em 2014 (Foto: Divulgação)

Quais as principais diferenças que notou no Cuevas antes das lesões e o de agora? Em que aspectos você evoluiu?
PC - Nesses dois anos em que não pude treinar, trabalhei muito mentalmente, amadureci nesse período e fui vendo as coisas de outra maneira. Após dois anos sem jogar, muda muito a sua cabeça. E uma vez que estava bem fisicamente, pude colocar em prática todo esse amadurecimento mental que consegui nesse tempo sem jogar.

Você tem uma identificação com o Brasil Open, já que venceu em duplas em 2010. O quanto especial é para você jogar esse torneio? Qual a expectativa para este ano?
PC - Acho que, para mim, a gira sul-americana é sempre importante, uma prioridade no meu calendário. A quadra de saibro é onde mais me sinto confortável para jogar, então sempre há uma grande expectativa. Para falar a verdade, gostava mais da Costa do Sauípe (risos). Não só pela praia, mas é que aqui em São Paulo tem um pouco de altura, ficam mais rápidas as condições. Se bem que esse ano estou sentindo que está mais lento, não sei se é pela bola, se há mais umidade ou a quadra está com mais pó de tijolo. Mas nos outros anos estava muito rápido, ano passado me incomodou muito, porque prefiro um piso mais lento. Mas, de qualquer maneira, gosto muito de vir jogar no Brasil, desde o juvenil na gira Cosat, passando pelos Futures e Challengers. Estar perto de sua casa é uma energia a mais para jogar esse torneio.

Em outubro do ano passado você ganhou o maior presente da sua vida: sua filha Alfonsina. Muitos outros jogadores também se tornaram pais recentemente. O que muda na vida de um tenista com a chegada de um filho?
PC - A primeira semana foi difícil pois ela veio de surpresa. Minha esposa e eu já queríamos ter um filho, mas não neste momento. À medida que as semanas foram passando foi cada vez mais lindo. Ela já estava grávida e viajou bastante comigo, passou muito bem. Quando Alfonsina nasceu eu estava em Buenos Aires e viajei às pressas para o Uruguai. Depois disso viajei sozinho e minha mulher ficou praticamente novembro e dezembro em casa. Nossas vidas mudaram completamente. Antes passava horas no clube e não tinha muito o que fazer depois. Agora tenho outras obrigações e responsabilidades com minha filha e quero logo voltar pra casa para ficar com ela. Por sorte, ela dorme muito bem a noite toda (rs). Também tenho que ter mais paciência com minha esposa pois agora ela é outra mulher (rs). O tênis é um esporte individual e exige um descanso maior. Tenho que estar com a cabeça fresca, minha mulher sabe que tenho ainda alguns anos de carreira e entende isso perfeitamente.

cuevas alfonsinaAlfonsina, a nova integrante da família Cuevas (Foto: Arquivo Pessoal)

Gostaria que ela também entrasse para o circuito e seguisse seus passos no tênis?
PC - Sim, seria um prazer para mim. Mas, por ser mulher e um esporte individual, não a vejo muito jogando tênis. Quero que ela faça parte do mundo dos esportes de alguma maneira e prefiro que ela escolha uma modalidade coletiva, de equipe, talvez hóquei (esporte muito tradicional entre mulheres na Argentina e no Uruguai) que é mais divertido.

Como imagina sua vida no futuro, depois de se aposentar como jogador: preparando um belo "asado" em Punta del Este tranquilamente com a família ou continuando no circuito em outra função? Vai conseguir ficar longe do tênis?
PC - A carreira não me impede de fazer um bom “asado” com a família nas horas vagas, mas não tenho certeza do que quero fazer no futuro. A intenção é continuar atuando na área, talvez como treinador, organizar torneios no Uruguai, abrir uma academia de tênis e fazer de tudo para apoiar o esporte em meu país. Mas uma coisa é certa: adoro Punta del Este, adoro o mar, quero estar sempre por lá e passar muito mais tempo no Uruguai do que na Argentina. Já viajei bastante, conheci muitos lugares e, pelo menos nos primeiros anos, quero passar mais tempo em casa com a família.

cuevas campeao2Campeão do Brasil Open 2015, ao vencer Luca Vanni por 6-4 3-6 e 7-6(4)

Agradecimentos: Brasil Open e ATP World Tour

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