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O cantinho das raquetes

DSCN5623Raquetes na sala de encordoamento do Brasil Open 

A raquete é o instrumento de trabalho de qualquer tenista. Mas antes de chegarem prontas e perfeitas nas quadras, elas passam pelas mãos de uma equipe de especialistas, que trabalham duro numa salinha muitas vezes escondida nos bastidores dos torneios.

Eles são os responsáveis por deixar as raquetes exatamente do jeitinho que cada jogador precisa. As preferências, as exigências e as necessidades são diferentes, seja com o tipo de corda, a tensão utilizada ou a quantidade de pintura. Quanto maior o torneio, maior o número de raquetes que passam por essa constante manutenção.

Um desses especialistas e anjos da guarda dos tenistas é o Ricardo Dipold, responsável pelas salas de encordoamento do Rio Open, do Brasil Open e da Brasil Tennis Cup em Florianópolis. O Tennis Report invadiu o cantinho dos equipamentos dos jogadores para mostrar, com exclusividade, os bastidores da sala de encordoamento do Brasil Open. A equipe formada por Ricardo, Raoni e Kiko conta tudo pra você. Confira!

Como você entrou no mundo de tênis?
Ricardo – O tênis entrou na minha vida por causa da minha esposa e foi amor à primeira vista. Me envolvi com o esporte e comecei a estudar os equipamentos para tentar evoluir meu próprio jogo, que não evoluiu até hoje (rs). Quis entender o que uma corda mais frouxa e uma mais dura, uma raquete mais leve e uma mais pesada fazem e isso virou um hobby, uma brincadeira que deu certo. Foi quando percebi que poderia viver disso e fazer um bom trabalho.

Há quanto tempo você cuida das salas de encordoamento nos principais torneio de tênis do Brasil?
Ricardo – Sou responsável pelas salas de encordoamento da Wilson desde 2012, começamos no Gillette Federer Tour. Eu tinha acabado de voltar dos Estado Unidos com formação na USRSA (United States Racquet Stringers Association), somos apenas três com essa certificação na América Latina. A indicação para que cuidássemos da sala veio do escritório em Chicago, da equipe que cuida do encordoamento no US Open, no Sony Open em Miami, em Indian Wells e no Australian Open. Somos um braço da Wilson aqui no Brasil.

DSCN5627Ricardo, Raoni e Kiko, encordoadores oficiais do Brasil Open

O movimento aqui é grande, um entra e sai de tenistas e equipes a todo instante. São muitas raquetes por dia. Como é feito o trabalho e como funciona esse espaço?
Ricardo -  No ano passado foram 367 raquetes encordoadas em uma semana no Brasil Open. Não foi um número tão grande porque a quadra estava bem rápida e isso influencia muito o nosso trabalho. Quanto mais lenta a quadra, maior a troca de bolas e maior desgaste nas cordas. No Rio Open foram mais de 650 raquetes encordoadas, uma demanda muito grande. Aqui o jogador chega, solicita a tensão que quer e muitas vezes nos questiona sobre a rapidez das quadras porque é normal estarmos com eles durante semanas seguidas, como aconteceu no Rio Open e agora aqui no Brasil Open. Já temos um certo relacionamento com eles, já sabemos as preferências de cada um. Servimos de referência para eles, que são especialistas no jogo, mas nós somos especialistas nos equipamentos. Assim como eles têm nutricionista, preparador físico, treinador e psicólogo. Cada um em sua função.

Existe um tipo de corda e uma quantidade de tensão mais usadas entre os profissionais ou isso varia muito de jogador pra jogador?
Ricardo – Isso é muito relativo e praticamente um dado estatístico. Quanto mais alto o ranking do tenista, mais refinado é o seu encordoamento. Por exemplo o Tommy Haas joga com tripa natural nas verticais (mains) com RPM (copolímero) nas horizontais (cruzadas). Um encordoamento que se for feito numa loja para um amador será extremamente caro, além de não ser comum usar uma híbrida como essa. O comum é o contrário. Mas eles usam assim pelo alto nível que eles têm. Roger Federer, Jo-Wilfried Tsonga, Serena Williams, Maria Sharapova, irmãos Bryan, todos eles já passaram aqui pela nossa sala e usam essa combinação.

 Existe hoje uma tendência de tensões mais baixas e raquetes com uma quantidade menor de cordas?
Ricardo – Sim. Hoje o mercado está oferecendo raquetes com menos cordas para soltar mais a bola e gerar mais top spin. Chega a ser contraditório porque quanto mais efeito, mais giro e mais controle de bola. O próprio ar joga a bola pra baixo. É isso o que todos buscam: potência com efeito, praticamente o que o Rafael Nadal faz. A bola quica e empurra o advresário para trás, quando não empurra pro lado. Perguntamos pro português João Sousa, que perdeu pro Nadal por 6-0 e 6-1, o que aconteceu com ele no Rio. A resposta foi: “Aquele cara é de outro planeta. Vocês acham que a bola dele sobe quando quica. Mas se ela sobe a gente se antecipa e pega na subida. Só que a bola dele quica, vai pro lado também e desestabiliza totalmente a batida. A bola sobra no meio da quadra, ele vem e mata”. Por essas e outras o tênis está evoluindo cada vez mais.

DSCN5348Raquetes de Rafael Nadal e David Ferrer

Quais os pedidos mais inusitados e curiosos que você já recebeu de um tenista?
Ricardo – Alguns jogadores querem a mesma máquina e o mesmo encordoador no torneio inteiro. Existe uma certa superstição e não é por parte do Nadal. Ele é um dos caras mais tranquilos com isso, o foco dele é no torneio. No Rio Open aconteceu um probleminha com a raquete dele, eu entrei em contato com a equipe dele pois precisaria da presença dele na sala de encordoamento. Ele veio super interessado, querendo saber tudo, conversamos, expliquei pra ele o que a gente achava, ele aceitou nossa sugestão e foi super tranquilo. A Maria Sharapova pediu para que a gente não encostasse no grip da raquete dela. O treinador que trouxe as raquetes e fez essa exigência. Plastificamos e colocamos uma fita para respeitar esse pedido dela. Nós somos o elo mais forte de confiança dos tenistas num torneio. Se nossa relação estiver abalada, eles não estarão bem na quadra e a sensação é de que também fazemos parte do time de cada um. Quando o Thomaz Bellucci fez aquele jogão com o David Ferrer, a gente sofreu junto. Parece que estamos dentro da quadra com eles. A Serena Williams chegou super tarde da noite e a organização do Gillette Federer Tour nos pediu que esperássemos pois ela não tinha raquete pra treinar no dia seguinte. Ficamos até uma hora da manhã à disposição demos um par de chinelos Havaianas pra ela, que foram usados já na coletiva de imprensa. A gente sabia que ela gosta muito de praia e dos biquinis brasileiros. No final do torneio, ela trouxe suas Blades novas e pediu que a gente as encordoassem pois ela estava indo para Bogotá, uma cidade complicada para esse tipo de serviço, e não sabia se lá havia um padrão de qualidade como o nosso. Um sinal de confiança em nosso trabalho.

No Rio Open vocês encordoaram as raquetes do Rafael Nadal e as do David Ferrer ali ao mesmo tempo e tinha uma plateia acompanhando o trabalho, tirando fotos. A curiosidade dos fãs pelos equipamentos é muito grande, né?
Ricardo – Sim. É uma maneira deles estarem um pouco mais perto dos ídolos. Alguns nos pediram um pedaço da corda e nós demos porque sabemos que isso é muito importante para os fãs. A ideia no Rio Open foi mesmo de fazer uma sala de vidro para que o público tivesse um contato maior com os jogadores e para mostrarmos o que acontece por trás dos torneios. Todo mundo quer saber. A criançada ficava louca! E pra marca isso também é interessante pois as fotos tiradas ali vão para as redes sociais e ajuda na divulgação e na popularização do nosso trabalho.

DSCN5347Sala de encordoamento no Rio Open

Qual a diferença do trabalho realizado no Rio Open, aqui no Brasil Open e no WTA de Florianópolis?
Ricardo – O WTA em Floripa é um torneio menor, de quadras rápidas e não há a necessidade de tantos encordoadores, geralmente dois profissionais são suficientes. O serviço de front desk (recepção ao público) é feito por nós mesmos. No Brasil Open, os primeiros dias são uma loucura pois junta as rodadas do qualifying e os treinos dos jogadores da chave principal. Na segunda-feira tem aquela tensão de primeiro dia e todos querem as raquetes prontas no horário certo. Aqui trabalhamos com quatro máquinas e um recepcionista atendendo o os jogadores e equipes. As salas são sempre em três idiomas: o local, o inglês e o espanhol. Dependendo da nacionalidade do tenista que estiver aqui, nem entre nós conversamos no idioma local por respeito a ele. E no Rio Open levamos seis encordoadores e vamos ter dois recepcionistas no ano que vem.

Cada raquete de um tenista profissional tem um detalhe específico, como uma marca registrada de cada um, seja uma imagem, uma palavra ou uma mensagem. Quais os mais interessantes que já passaram por aqui?
Ricardo – As do Juan Monaco têm a frase “Vamos Píco”, que é o apelido dele. As da Azarenka têm o nome dela “Victoria” e quando encordooei pra ela no Gillette Federer Tour havia só um trofeu do Australian Open. Em 2013 ela ganhou mais um. As da Maria Sharapova têm um autógrafo dela na lateral. As do Rafael Nadal têm o apelido “Rafa” onde está escrito o modelo Aeropro Drive. As da Wozniacki têm “Carol” na garganta da raquete. E a mais inusitada e interessante é a do Alexander Peya, parceiro do Bruno Soares, que tem uma foto pequena do filho, que nasceu há menos de um ano. O Filippo Volandri não gosta que pinte as cordas, ele mesmo prefere pintá-las pois tem uma maneira específica pra isso. O lado maior do símbolo da Head não pode estar junto do nó. Isso o incomoda durante o jogo. Olga Puchkova pede uma pintura leve do símbolo da Yonex. Nas raquetes do David Nalbandian, o logotipo é invertido. Tommy Haas também não gosta de muita tinta, prefere um extênsil bem leve porque ele sente a corda presa com a tinta. O Pete Sampras sempre dizia isso, que queria sentir mais a tripa. Assim como o Federer, o Haas também gosta dos “power pads”, os quadradinhos que seguram as cordas, pintados de preto.

DSCN5621Detalhe na raquete de Juan Monaco

A sua máquina de encordoamento é praticamente como uma daquelas bolas que a criançada enche de autógrafos na beira da quadra. Quem já deixou uma lembrancinha nela pra você?
Ricardo – A ideia aqui foi de fazer da máquina o meu currículo. Uma coisa é você levar um boné ou uma camiseta para autografar. Outra é uma máquina de sessenta quilos! Estão aqui comigo a Victória Azarenka, que depois nos adicionou em seu perfil oficial no Facebook, pra você ver como fica forte nosso relacionamento com os atletas. Tem também o Roger Federer. A Maria Esther Bueno, que treinava e encordoava todos os dias com a gente no Rio e ainda vive na competição com a bolsinha e as raquetes dela. Ela gosta da tripa natural muito bem colocada, de uma maneira bem clássica, sem ondulações, como é feito em Wimbledon. Ela foi uma surpresa pra mim pois nunca pensei que encordoaria a raquete de uma brasileira com dezenove títulos de Grand Slam. O Gustavo Kuerten também está aqui. Ainda não tive o prazer de encordoar as raquetes dele, mas ele é conselheiro do Instituto Tênis que fica perto da minha loja em Alphaville e recebemos a visita dele. A Francesca Schiavone também, que teve um probleminha no Rio. A corda dela estava rompendo em apenas vinte minutos de jogo e ela aceitou nossa sugestão de trocar o tipo de corda para RPM Blast. Ela também comentou que todos estão insatisfeitos com o serviço de encordoamento no Masters 1000 de Roma e me deu o telefone do diretor do torneio pra gente tentar levar nosso trabalho pra lá. São coisas que acontecem aqui dentro que revelam a confiança que os tenistas têm em nossa equipe. E a Serena Williams, que tem um carinho enorme pelo Brasil e até fala português! Apesar de ter a imagem de alguém que usa muito a força bruta, ela é um doce de pessoa. Essa máquina é minha história, onde eu vou a levo comigo.

DSCN5354Máquina pessoal do Ricardo autografada

Quais as dica ques você deixa para todos os tenistas?
Ricardo – Para os amadores, cuidado com o tempo de vida útil da sua corda, que é de vinte a trinta horas de jogo. Infelizmente a cultura do encordoamento no Brasil precisa mudar. Você não tem que trocar de corda só quando ela estoura. E ela não arrebenta porque já está frouxa ou gasta, mas sim pela quantidade de efeito que você coloca. Se você bate reto e chapado sua corda não vai estourar! E para as cordas que se movimentam muito para um lado, por causa do spin, o ideal é usar um encordoamento híbrido que vai segurá-las no lugar. E se você não rompe as cordas, prefira as cordas finas para não machucar o braço. Antes de jogarmos tênis num nível avançado temos que pensar em prevenção de lesão. Gaste seu dinheiro com quadra, não com fisioterapeuta.

Veja a entrevista em vídeo no canal do Tennis Report no YouTube:

Fotos: Ariana Brunello
Agradecimentos: Brasil Open e TV Tenista www.tvtenista.com.br
 
Mais informações: Ponto de Contato (11) 94155-0101 www.raquetesparatenis.com.br

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