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Outubro Rosa: Game, set & match pra vida

DSC08923Beth, guerreira nas quadras e na vida, venceu o câncer (Foto: Ariana Brunello)

Por Beth Saraiva

“Comecei a jogar tênis há mais de vinte anos. Minha família tinha um apartamento na praia, a gente montava uma rede na areia e brincávamos de beach tennis. Meu filho então me pediu para que eu o matriculasse numa academia e comecei a fazer aulas também pois descobri que tinha diabetes e precisava praticar um esporte. Me apaixonei e nunca mais abandonei o tênis. Tenho aulas até hoje com o mesmo professor.

Meu objetivo nunca foi competir, mas sim praticar exercícios físicos de uma forma lúdica. De uns tempos pra cá tentei melhorar, aliás acho que sou uma das poucas pessoas de idade que ainda querem aprender coisas novas na quadra. Acho que nunca é tarde pois temos que morrer aprendendo, isso é o que a gente leva da vida. Tenho uma turma grande de amigos com quem bato bola todo domingo. É uma diversão só: a gente ri, fala palavrão e se reune pra tomar uma cervejinha logo depois das partidas. Não existe terapia melhor!

Um dia fui ao médico para fazer exames de rotina e descobri dois tumores na mama esquerda. Retirei parte das microcalcificações para biópsia, o resultado deu positivo, passei por cirurgia e comecei as sessões de radioterapia. Me livrei da doença e nunca parei de fazer os exames de prevenção a cada seis meses. Meu médico então me recomendou o uso de hormônios pois até então eu nunca havia precisado e evitava em razão do meu histórico de saúde.

 Em março fiz o último exame preventivo. Eu estava bem. Fiz a mamografia no dia 5 e apenas dois meses depois, no dia 13 de maio, voltei ao médico. Fiz uma ressonância e um ultrassom que comprovaram a volta do câncer de mama. Eu já sentia algo estranho, como uma bolinha na parte de cima de uma das mamas, no mesmo local onde eu havia feito a cirurgia vinte anos atrás. Mas ainda não era a doença, foi apenas uma reação a ela, que apareceu novamente. Dessa vez afetou o mamilo, que estava diferente, coçava e me incomodava.

O tumor cresceu muito rápido, já media 2 centímetros e já havia tomado um gânglio da axila. É um tipo de tumor muito agressivo que pode aparecer por hereditariedade, hormônio ou simplesmente pela modificação do núcleo da célula que, um dia, resolve se transformar. Tudo aconteceu em uma semana e, em casos assim, não dá pra pensar muito pois cada dia vale por mil!

Na terça-feira fiz o exame, na quarta o médico já deu o diagnóstico e marcou a cirurgia, na quinta fui à aula de tênis normalmente e no sábado fiz a mastectomia (retirada e reconstrução da mama). Todos me perguntaram: “Mas você vai operar no sábado e mesmo assim veio jogar?”. Eu prontamente respondi: “Claro que sim, hoje ainda é quinta e preciso manter a forma!”.

A cirurgia foi um sucesso! Na reconstrução, todo o tecido mamário é retirado, incluindo o mamilo e parte da pele. No local é colocada uma prótese de silicone, um dos músculos das costas é esticado para proteger a prótese e coberto por outra parte de pele.

Quando acordei da anestesia, pensei que sentiria muitas dores, mas não tomei nenhum comprimido! Sinto que há algo diferente, mas nada que atrapalhe meu dia-dia. Acho que devo muito a minha forma física, aos bons hábitos que sempre cultivei e ao esporte. E temos que levar em conta que sou diabética e minha mama já havia sofrido radiação. Até o médico ficou surpreso e me disse que sou “hors concours” no quesito.

A sensação que tive ao ver meu novo seio pela primeira vez não foi a de que retiraram um pedaço de mim. Em nenhum momento me preocupei com a parte estética. A melhor coisa que fiz foi colocar a prótese porque ela te faz esquecer que seu seio não existe mais. Fica inchado, grande e roxo, mas está lá. Hoje não olho pra ele pensando que uma parte de mim foi embora, ele continua aqui comigo e ainda melhor: curado! Por isso mulheres, não tenham medo nem receio, se precisarem façam a mastectomia o quanto antes! Ela pode salvar sua vida!

Depois de um mês da cirurgia, comecei as sessões de quimioterapia. Foram seis meses de tratamento e as sessões divididas em 3 semanas. Em vez de você tomar uma dose cavalar, toma um terço, mais um terço, mais um terço, uma por semana, por isso a reação é mais suave, os efeitos colaterais menores. Meus glóbulos brancos cairam muito, então passei a fazer a cada 15 dias. As reações são diversas: diarreia, náuseas, alteração do paladar, sangramento no nariz, ressecamento das mucosas, cansaço.

Eu fazia as sessões na quinta-feira e, no dia seguinte, dormia o dia todo, não tirava o pijama e nem banho tomava. Eu praticamente acordava no sábado. Com um mês de quimio, meus cabelos começaram a cair, mas eu já havia comprado perucas! Não sou a favor de andar careca pois, querendo ou não, é chocante para as pessoas que estão em volta. Principalmente quando você está começando o tratamento e ninguém sabe qual será sua reação. Hoje já me acostumei e em casa eu fico carequinha na boa!

Não perdi peso, tentei manter a alimentação saudável mesmo sem apetite e sem sentir o gosto da comida. Fiz até acompanhamento nutricional e segui uma dieta anti-câncer, anti-quimio e anti-diabetes. É super importante manter essa rotina alimentar pois o tratamento te esvazia, tira tudo de você, até nutrientes e vitaminas fundamentais para o organismo. Para se ter uma ideia, são necessários 24 nutrientes diferentes para formar apenas uma célula!

E, claro, não consegui ficar longe das quadras por muito tempo. Dois meses após a cirurgia e apenas um após o início da quimio eu já estava com minha raquete na mão fazendo o que mais amo na vida! O médico me liberou para a prática de exercícios leves e eu perguntei: “Então posso jogar tênis? (rs)”. Ele me respondeu: “Beth, você me faz cada pergunta! Não sei. Quantas pessoas você acha que vieram até a minha clínica, fizeram esse tipo de cirurgia, com a sua idade e querem voltar a jogar tênis?”.

Ele não acreditava, mas eu precisava tentar! Então fui para o hotel do Kirmayr, em Serra Negra. Sempre participo de clínicas lá, temos um grupo que sempre vai e é super divertido. Só fiquei olhando, mas morrendo de vontade de jogar. No último dia, não pensei duas vezes, entrei na quadra e disse: “Deixa eu ver se ainda consigo!”. Comecei a bater bola no quadradinho por uns 15 minutos. Eu tinha medo por causa da musculatura das costas, mas pra minha felicidade vi que era plenamente capaz de voltar à ativa.

Eu não havia suspendido minhas aulas, então voltei pra academia e aos poucos fui retomando o ritmo. Meu professor até se esqueceu que eu ainda estava fazendo quimioterapia! Durante o tratamento, o paciente deve evitar lugares fechados, com muita gente, para evitar uma possível contaminação. Mais um motivo pelo qual a quadra era o lugar ideal pra mim!

Ainda me sinto cansada, a musculatura não responde mais da mesma forma, corro menos, tenho medo de cair, me machucar e confesso: tem dia que não é fácil. Além disso, minhas unhas descolaram, estão sensíveis e sinto dores nos dedos, mas nada que me impedisse de segurar a raquete. Apenas respeitei meu limite. Nunca mais joguei simples, mas não deixo de jogar duplas e foram poucas as vezes em que não consegui jogar. E o apoio que sempre recebi dos amigos e parceiros foi fundamental. Quando eu conseguia jogar, saía feliz e realizada da quadra pois tinha a certeza de que estava reagindo bem a tudo que passei.

Sem dúvida, meu retorno às quadras apenas dois meses depois da cirurgia ajudou muito na minha recuperação: ativou a circulação, manteve um pouco da musculatura e fortaleceu ainda mais meu lado emocional. Era um termômetro pelo qual eu sabia como meu organismo estava reagindo. O tênis me mostrou que eu podia continuar praticando meu esporte predileto e tirou de vez a dúvida que eu tinha de nunca mais pisar numa quadra. Um dia a vista escurecia, no outro a perna fraquejava, mas eu conseguia jogar! Foi uma injeção de ânimo! Inclusive pros médicos que ficavam curiosos pra saber: “E aí, jogou essa semana?”. Para eles também era uma vitória!

É monstruoso o momento em que você descobre que está com câncer, seja qual tipo for ou em que grau estiver. São muitas dúvidas, insegurança, medo. Uma batalha a cada dia. Mas não podemos deixar que a doença tome conta da gente e da nossa vida. É preciso tratá-la e combatê-la sem abandonar as coisas que te fazem feliz. Além da cirurgia, do tratamento e do apoio da família e dos amigos, o tênis acelerou meu processo de cura e foi o responsável pela minha vitória. O amor pelo tênis faz milagres e eu sou prova disso. Se um atleta profissional pode se recuperar de uma grave lesão, eu também pude vencer um câncer. Duas vezes. Foi mais um game, set & match pra vida!”

DSC08932Beth e seu inconfundível (e invejável) slice (Foto: Ariana Brunello)

* Beth tem 69 anos, é professora aposentada, é uma guerreira nas quadras e também na vida. Obrigada por compartilhar sua linda história com a gente e parabéns por mais uma vitória, Beth!

* Agradecimento: Academia Tennis Star

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